Folheando uns jornais antigos, encontrei esta crônica de Luiz Negrão, na coluna Regional, do jornal Diário do Pará, de 01 de fevereiro de 2005, com o título Banquetes desastrosos, a qual transcrevo aqui, para que todos se deliciem com estes fatos que compõem a história de nosso rádio:
Banquetes desastrosos
Na era do rádio, os programas “deliciavam” os ouvintes com “pérolas musicais” e alguma confusão
Por Luiz Negrão
“Meio-dia de lutas, meio-dia de esforços. Interrompamos o nosso labor cotidiano para o almoço e, a metade que ainda vai passar, nos seja de bons e recompensados esforços. Ouvinte amigo, almoçai com a satisfação, sem o menor aborrecimento e, completar a vossa satisfação, fumai um inigualável cigarro Aspirante, lembrando sempre que, depois de um bom Aspirante, somente outro Aspirante. Ouvinte amigo, boa tarde”.
Durante décadas, precisamente às doze horas, “ a gostosa Belém de outrora” ouviu esta singular mensagem pelas ondas da Rádio Clube do Pará, a famosa PRC-5,na bela voz de Lourival Penalber, mesmo dando a idéia de que nesta cidade todos almoçavam em casa e fumavam. O progresso, todavia, alterou esse hábito dos belenenses. Uma parte deles continua comendo em casa, enquanto outra parte passa fome nas periferias das cidades novas e marambaias. Outros, por sua vez, por necessidade de serviço e falta de tempo para irem em casa, utilizam o sistema “fast food” (é assim a escrita?), principalmente executivos, nas praças de alimentação dos shoppings, dos super-mercados, restaurantes a quilo, onde não podem fumar porque ambientes climatizados, enquanto a expressiva maioria dos “foods” se socorre mesmo é das barracas do Ver-O-Peso e das esquinas da cidade, onde a higiene passa ao largo e a céu aberto. Nas cidadezinhas do interior não há nada disso, mas se tem o feijãozinho, o arroz, a farinha, o peixe frito, a pimentinha, o camarão e o açaí nosso de cada dia.
O meu compadre Altair Carneiro, o Tatá, hoje aposentado do Basa, sabe de cor e salteado a mensagem acima transcrita e isso tudo foi objeto de bate-papo mantido a pouco versando sobre a mesmice dos atuais programas radiofônico no Brasil, seja em esporte, noticiário,entretenimento, isso porque seus responsáveis arvoram-se em donos da verdade, arrogantes, imodestos, atropelando “a última flor do Lácio inculta e bela”, afora palavrões freqüentes. Antes o ouvinte era mais respeitado. Evocou que, após a mensagem do meio-dia, a Clube transmitia radionovelas durante meia hora, seguindo-se o famoso Calendário Social Brasil, com ampla audiência. Homenageando os aniversariantes do dia, com mensagens contendo no geral a seguinte redação:
“Hoje o dia amanheceu mais lindo, com os pássaros cantando, as rosas florindo e, sabem por quê?, porque esta aniversariando o robusto e vivaz garoto Beltrano Malazartes ou a bonequinha Olívia Palito ou virtuosa senhora Sicrana dos Anzóis Pereira ou o ínclito doutor Fulano Carapuça. Seus pais, seus irmãos, seus avós, seu amado esposo, sua digna consorte, para os queridos aniversariantes desejam milhões de felicidade e todo coração dedicam-lhes a bela página musical...”.
Apesar da mordacidade da frase de Otto Lara Resende – “O saudosismo, como o pigarro, é um cacoete de velho” – em nossa agradável conversa, a esse respeito, o Altair ainda narrou dois episódios pitorescos, tendo como fontes, o primeiro, o memorialista Fernando Velasco e, o segundo, o Marlúcio Serrano, gente lá de Macapá, cuja transcrição, a seguir, vale a pena:
Determinado político todos os anos festejava o aniversário dele com laudo almoço, verdadeiro banquete, em sua residência, convidando parentes, amigos e correligionários. Tinha comitês espalhados pelos bairros da cidade, pois habitual candidato a Vereados por Belém. Uma vez, foram convidados o Gilberto Danin e o José Maria Platilha, os quais quiseram tirar um sarro com o amigo nataliciante. Foram até a Rádio Clube para um alô. O programa estava repleto de homenagens ao anfitrião, mas consegiram enxertar singular mensagem e foram ao almoço. Lá, o homenageado estava à cabeceira da mesa, trajando terno de linho HS, rodeado de convidados, todos ouvindo as mensagens. Quando a dona da casa serviria maniçoba, ouviu-se a mensagem da dupla Danim/Platilha: “ nesta data aniversaria o ínclito político Fulano de Tal, uma de nossas reservas morais. Alguém, que neste instante não pode estar ao seu lado, com muito afeto lhe dedica a bela página musical...” A patroa, ao lado do marido, segurando a terrina com a maniçoba, teve um acesso de raiva; aos berros terminou o almoço, antes derramando toda a comida na cabeça do aniversariante. Pelo até então branco paletó do anfitrião escorriam paio, chouriço, pé-de-porco, mocotó, toucinho, jabá e a verde massa engordurada. Os festejos ali mesmo terminaram, enquanto o dono da casa repetia: “isso é obra dos meus inimigos políticos!”
Pela mesma época, em Macapá a pioneira Rádio Difusora tinha um programa similar. Ali morava um brabo delegado de polícia, magrinho, baixinho e ranheta. No aniversário da esposa (dona Aurora) homenageou-a com um almoço em família, inclusos amigos e auxiliares, e presença no calendário social. A festa estava animada, quando o locutor na rádio anunciou: “aniversaria hoje a digna dona Aurora, virtuosa esposa do nosso delegado, que lhe oferece, com votos de muitas felicidades, a belíssima valsa “Aurora”, porém o que ouviu em seguida foi a famosa marcha carnavalesca: “Se você fosse sincera / ô ô ô Aurora / veja só que bom que era / ô ô ô Aurora / um lindo apartamento com porteiro e elevador / ar refrigerado para os dias de calor / madame antes do nome você teria agora / ô ô ô Aurora...” Possesso, o delegado foi logo à Difusora, prendeu o locutor e ainda fechou a rádio. Uma violência despropositada, enquanto a cidade de Macapá achava graça.
Dois banquetes desastrosos, à revelia dos homenageados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário